Ontem

É certo que as coisas ganham um tom de fogo aqui na Armação, e que em pleno dia se adormece o sono de qualidade, mas desse eu gostaria de falar depois. 
Noite passada fui assombrada pelas veias latentes da fragilidade, e não pude aproveitar o silêncio da escuridão litorânea para o meu próprio bem ou mal. 
Se eu falar da coisa, ela volta, parece que vive num quarto perto dos meus pensamentos, ou mesmo dentro deles. 
E tampouco me custa ser comedida a respeito, tanto que já apresentei-a como sujeito feminino, e tanto melhor é revogar-me de nossa mais íntima ligação. 
Às 13h de hoje, eu ainda não tinha me recomposto do malogro. Desde então existi, e não muito mais que isso, mas estou bem e mais cedo também estava. Levantei, devo ter sorrido algumas vezes, tratei de preparar um almoço e antes do feito, vi o mar novamente corado de azul turquesa - há dias que as águas balançavam cinzas - deitei na areia, senti que precisava de mim por inteiro novamente, e não saberia por ora quanto tempo levaria. 
Às 15h eu estava completamente só, 
e como estar só quando não se é completamente? 
Pensei que ler me seria a melhor opção – ao menos tiraria a minha atenção de mim mesma ou daquilo que me acompanhava. Mas eu estava bem, como não estaria? 
No banho que tomei às 15h30, senti esperançosamente que pelo ralo muitas coisas estavam indo... ótimo, eu estava bem e melhor depois do banho. Adormeci. 
Adormeci como quando se é engolido por qualquer coisa que represente uma aura pacífica e macia, dormi inclusive pensando que deveria dormir mesmo, pois na noite passada, além de ser galopeada pelos guardiões das trevas, tive que entregar meu sono a eles. 
Acordei e lembrei da coisa, mas não pude deixar de sentir que acordei com o corpo envolto numa esfera de prazer, como se tivesse criado um átomo de ligação com uma outra possível realidade, além do mal pensar, que é fruto do mal sentir. 
Meus olhos no espelho pareciam duas bolas de gude, vivos como há muito não os via. 
A coisa não se vai por completo, acho que hoje ainda volta. Se eu tivesse a certeza de que apesar de retornar por mais três noites ou quatro, o que me seria perfeitamente assustador, ainda não seria tão ruim como a incerteza de estar presa a ela, sabe-se lá até quando...


Armação do Pântano do Sul

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